sábado, 6 de fevereiro de 2016

O fenómeno “Parada da Paródia” como semanário de humor por António Gomes de Almeida


Penso que não há exagero em classificar como fenomenal um semanário de Humor que nasceu na sequência do êxito popular de que gozavam os Parodiantes de Lisboa, na década de sessenta do século XX – mas conquistou, por mérito próprio, a sua independência Humorística.
Todos os que trabalham, ou trabalharam, em órgãos da nossa Imprensa Escrita sabem que a edição de revistas e jornais é condicionada por factores comuns a todos eles, e que podem explicar-se deste modo: 1. – As tiragens são, normalmente, pequenas (por razões culturais, porque o País é pequeno, porque há pouca gente com hábitos de leitura – todos conhecemos estas razões); 2. – Nenhuma publicação sobrevive apenas com as receitas das vendas e das assinaturas; 3. – As receitas da publicidade são essenciais para a sobrevivência... Ora bem, estes factores são ainda mais evidentes quando falamos deImprensa Humorística ou Satírica, para a qual os Anunciantes sempre tiveram grande relutância em encaminhar as suas verbas publicitárias, talvez por acharem que “não parece bem” colocar um anúncio de uma empresa “séria” num jornal de Humor…
Todavia, nenhuma destas condicionantes se verificou, no semanário Parada da Paródia.As tiragens foram excelentes, houve lucros, e houve publicidade a um nível muito razoável.
O jornal surgia como complemento impresso daquele Humor que tornara os Parodiantes campeões das audiências radiofónicas, com programas tão populares como o Teatro Trágico, o Vira o Disco e oGraça com Todos, este último acompanhando estrategicamente a hora do almoço dos portugueses, (ainda sem a concorrência da Televisão), e com personagens tão marcantes como Patilhas & VentoínhaJack-Taxas & Cara-Linda, ou o Compadre Alentejano. Parece fácil explicar que o êxito do jornal se basearia, por arrastamento, no êxito da Rádio… Mas essa, sendo a explicação inicial, deixou de o ser à medida que as semanas foram correndo e, após a espectacular tiragem de 54 mil exemplares dos primeiros números, coisa nunca vista até então, as edições estabilizaram à volta de uns excelentes 20 mil exemplares, e só viriam a diminuir um pouco quando parte das atenções do público se desviaram, em 1961, para a Imprensa Diária, por causa das notícias sobre a Guerra Colonial.
Qual é, então, a explicação complementar para o êxito da Parada da Paródia? Sem dúvida, a qualidade dos textos e das ilustrações que apareciam nas suas páginas. E a imaginação, renovada semana após semana, com a edição de números dedicados a temas originais tão inesperados como as Moscas, as Casas de Penhores, as Parteiras, as Bruxas, o Fado, os Guarda-Nocturnos, osQueijos, os Carteiros, as Varinas, a Água – e até o Vinho (este último numa edição impressa a roxo, e contendo um vale que dava direito a ir tomar um copo num estabelecimento do produtor que patrocinava o tema)...
Algumas secções fixas reproduziam temas transpostos da Rádio, como o Rádio-Crime e as paródias aos folhetins radiofónicos; mas outras, para além dessa origem, eram popularíssimas, como ABronca da Semana, o Guichet de Reclamações, o Ficheiro dos Caricaturistas e o Expediente do Director. E foi lançado, entre outras iniciativas, um concurso para eleição da Flausina Modelo, que teve uma adesão invulgar.   
A diferença estava, sem dúvida, no especialíssimo lote de colaboradores – os que escreviam e os que desenhavam – e na qualidade do Humor apresentado.
Mas, antes de falarmos desses aspectos, comecemos pelos pormenores técnicos:
Parada da Paródia foi publicada semanalmente, às quintas-feiras, durante dois anos exactos – do número 1, de 10 de Novembro de 1960, ao número 104, de 1 de Novembro de 1962.
Tinha o formato 31x23 cm, e era impressa em rotativa, em sistema tipográfico, a preto e uma cor, em papel normal de jornal.
Cada exemplar custava vinte e cinco tostões (2 escudos e 50 centavos, o equivalente, em Euros, a menos de 1 cêntimo e meio).  
O primeiro número tinha 16 páginas, 8 das quais a duas cores, mas, logo no número 2, o êxito das vendas obrigou a aumentar o número de páginas para 24. Mais tarde, a partir do número 27 e até ao número 70, passaria a publicar 28 páginas, sendo as 4 suplementares impressas em offset. Do número 71 até final, voltaria às 24 páginas, eliminando as 4 suplementares em offset.
Era impresso na Casa Portuguesa, uma tipografia da Rua das Gáveas, no Bairro Alto, onde também se imprimia, entre outros, o Diário Ilustrado.
QUEM FAZIA A PARADA DA PARÓDIA
É importante recordar a listagem de todos, ou quase todos, os que passaram pela Parada, como apareceram na Ficha Técnica respectiva.
Director - António Gomes de Almeida
Editor - Ruy Andrade
Chefe da Redacção - Manuel Puga
Chefe de Publicidade - José Andrade
Redactores – Matias Redondo (Carlos Pinhão), que escrevia a secção desportiva Meia Bola e Força!Macacão (António Rolo Duarte), que fazia a secção de Espectáculos Ver, Ouvir e Gozar;Flausina (Maria João Duarte) que respondia ao Correio da Flausina; Raúl da Costa, ex-autor de teatro de revista, com colaboração variada; Antero do Quintal e Camilo com E (Antero Nunes e Benjamim Veludo) que escreviam À moda do PortoPepe (Álvaro Magalhães dos Santos), que escrevia As Aventuras do Arnestinho e a Antologia do Pensamento MentalZé que Ri, autor dasBroncas Rimadas – e, de vez em quando, mais alguns.
Para além destes colaboradores, que escreviam as secções fixas, o corpo do jornal era preenchido com textos do Director, do Chefe da Redacção e alguns do Editor.
Quanto aos Desenhadores, nunca se reuniu, num mesmo jornal, um lote tão grande e tão talentoso como este!
O desenhador principal (autor de todas as capas, de muitos cabeçalhos, ilustrações, cartoons e muito mais) era o João Martins, que viera de O Mundo Ri, e que iria, mais tarde, dedicar-se a filmes de desenhos animados, e também a trabalhar como grande ilustrador de A Bola e de o diário, para onde foi levado pelo Carlos Pinhão.
Além deste divertido personagem, a lista dos desenhadores incluía o Túlio Coelho (que transformava em Banda Desenhada as radionovelas do Teatro Trágico); o Manel (Manuel Vieira), que também trabalhava para a RTP; o alentejano Mário Elias, cujo nome seria mais tarde atribuído a uma Casa das Artes em Mértola; o tímido portuense Miranda; o excelente ilustrador Vítor Ribeiro; o José Antunes (que chefiaria depois o sector gráfico da Verbo e o do Círculo de Leitores); o talentoso Zé Manel (filho do artista Meco, e um dos mais talentosos ilustradores deste País, que publicaria aqui os seus primeiros bonecos); o Reinaldo; o animado e meio louco Gustavo Fontoura (que, com o Manuel Puga, publicaria dois volumes de "fotogozos" com o título Puflas); o Moreira Rijo, que trabalhava na RTP; o Vítor Milheirão, chefe do restauro na Gulbenkian, com o seu amigo inseparável, o Ricardo Reis; o João Benamor, que era militar e fazia, nas noites em que estava de serviço no quartel, uns desenhos cheios de minúcia, muito bem acabados; o Mário Jorge, filho e herdeiro do estilo do conhecido Mário Neves, autor de excelentes filmes publicitários para a TV, como os da Laranjina; o Augusto Cid, que já tinha então uma produção e um talento enormes; o Rui Torres, este pouco assíduo; o Yoke, que tinha um estilo original, mas também publicou pouco; o Joes (Jorge Esteves, que mais tarde seria professor na António Arroio, depois de ter sido colaborador na Regisconta); o Ton (António Gomes Ferreira), de Coimbra; o Fausto Boavida; e ainda um Arruda, um Machado, um Toni e um Guerra, que tiveram escassa colaboração; o Helder Martins, sobrinho do João Martins, que mais tarde publicaria o seu frustrado jornal A Chucha; e ainda, na fase inicial, dois outros grandes desenhadores, dos quais se tinham publicado antes os primeiros bonecos, na revistaPicapau: o Vasco (que então ainda assinava Agostinho de Castro), e o Adolfo Feldlaufer, um dos artistas mais originais que ali apareceram, o que veio a comprovar-se mais tarde, no seu trajecto internacional.
Uma lista impressionante!
Faziam ainda parte da equipa os Fotógrafos: o Luís Henriques e os dois profissionais da Publifoto.
Parada da Paródia foi um êxito, logo a partir do primeiro número, que foi um verdadeito estouro! Teve de ser reforçada a edição, à pressa, atingindo-se os 54 mil exemplares, o que era verdadeiramente extraordinário, para a época! Por isso, a partir do número 2, "brindaram-se" os leitores com mais páginas e mais Humor.
As coisas corriam muito bem, em termos de vendas – embora, em 1961, com o início da guerra em Angola, se começasse a notar uma certa quebra. As pessoas andavam inquietas com o que se passava em África, compravam mais jornais diários, por causa da informação, aliás escassa, e estavam menos viradas para publicações deste género. No entanto, tudo indicava que o jornal, do ponto de vista comercial, continuava a ser um excelente negócio.
AS NOITES DE QUINTA-FEIRA NO DÉCIMO-TERCEIRO ANDAR
As reuniões de redacção da Parada da Paródia eram à noite, às quintas-feiras (o dia da semana em que o jornal saía para a rua), no 13º andar do prédio da Avenida dos Estados Unidos da América nº 102, numa grande sala ao lado do estúdio de gravação e dos escritórios das duas firmas associadas: "Parodiantes de Lisboa, Lda.", que geria toda a actividade relacionada com a Rádio e tinha dois sócios, os irmãos Andrade – e "Tela-Parodiantes", que tratava de todos os outros tipos de publicidade.
Eram reuniões animadíssimas, cujo barulho animava os treze pisos do enorme edifício, em cuja base estava instalado um estabelecimento que era uma espécie de "Templo do Cinema Moderno Português" – o Café Vává, centro de convívio de cineastas, jornalistas, músicos e outros artistas.
A ele desciam todos, de corrida, um pouco antes das duas da manhã (que era a hora do encerramento do café), para a última bica. Mas, quase sempre, tornavam a subir, para continuar o trabalho, a conversa e as piadas. Era, sem dúvida, uma redacção muito alegre.
Aparecia sempre muita gente, porque era nesse dia que se combinavam temas para os números seguintes e se distribuíam tarefas. Claro que, na primeira quinta-feira de cada mês, ainda aparecia mais gente – porque era o dia de pagamento das colaborações... Cada peça (texto ou boneco) valia então entre 25 e 50 escudos, o que não era nada mau, em relação ao nível praticado pelos jornais da época. E havia uma folha de colaboradores enorme!
Os ardinas (que ainda existiam, nesse tempo) eram incentivados a gritar, nas ruas, o nome daParada da Paródia. E havia um prémio de cem escudos para aquele que o apregoasse mais alto!
COLABORADORES MUITO ESPECIAIS
Já se viu que a Parada da Paródia tinha muitos colaboradores. Uns tinham mais piada que outros, como é evidente – mas, entre eles, houve quem se tornasse notado por razões que pouco tinham a ver, directamente, com o Humor.
Ao acaso, aqui vão dois episódios: um, de um colaborador da parte escrita; outro, de um desenhista...
Certo dia, recebeu-se na redacção uma carta assinada com o pseudónimo "Zé que Ri", sem mais indicação alguma; nem nome, nem morada – nada. Eram uns versos em forma de gazetilha, muito bem feitos e com muita graça. Ficaram a repousar numa gaveta, à espera de identificação do autor.
Daí a dias, nova carta e novos versos, ainda melhores e ainda com mais graça. E, uma semana depois, outra. Resolveu-se começar a publicar aquilo. Arranjou-se uma secção com o título "Broncas Rimadas" e, semana após semana, foram-se publicando as gazetilhas – que continuavam a vir pelo correio, regularmente. E nós sem sabermos nada do autor! "Mas lá que o tipo tem graça, isso tem! Vê-se que é um rapaz de espírito jovem e arejado!" – era o que todos comentávamos, na redacção.
Até que, um dia, batem à porta e aparece, finalmente, o misterioso "Zé que Ri". Vinha, timidamente, saber se tinha alguma coisa para receber, das suas colaborações. Claro que tinha, e logo lhe foi pago. Só que... para nosso espanto, o "tipo com piada", o "jovem arejado" não era um "tipo" nem era nada jovem; era, sim, uma senhora já entradota, pequenina, feíssima, ainda que muito simpática!...
Quanto ao outro episódio, tem a ver com um dos numerosos desenhadores que por lá apareciam, nas reuniões de redacção. Só que este (cujo nome não se revela, já vão perceber porquê), estava longe de ser das companhias mais apreciadas. É que o rapaz cheirava mal que era uma coisa por de mais! Assim que franqueava a porta da redacção, espalhava-se por toda a vasta sala um fedor impossível de aguentar. Logo alguém corria a abrir as janelas. Qual quê! A intensidade do mau-cheiro superava todas as correntes de ar provocadas para afastá-lo! O pior era no inverno, quando o frio, o vento e a altitude (recordo que estávamos num 13º andar!) nos punham em perigo de substituirmos um valente mau-cheiro por uma valente constipação.
Ainda por cima, o moço não tinha a mínima noção do incómodo que causava. Adivinhava-se que não tomava banho há, pelo menos, um ano – se é que alguma vez experimentara tão insólita operação. A gente lançava indirectas, contava histórias, falava do Luís XV (que constava nunca se ter banhado – mas esse, ao menos, encharcava-se em perfumes, para disfarçar). O nosso desenhista mal-cheiroso nem pestanejava.
Um dia, sabendo que ele fazia anos, resolvemos oferecer-lhe um enorme sabonete, artisticamente embrulhado, com uma dedicatória apropriada. Ele abriu o pacote, desconfiado, e saíu-se com uma frase que nos fez perder toda a esperança de que a situação (e o cheiro) algum dia desaparecessem: "Mas... isto serve para quê?"...
ERA UMA CASA PORTUGUESA...
Enquanto durou a Parada da Paródia, as noites de segunda-feira do Director eram passadas no Bairro Alto. Mas... nada de más interpretações! Embora o local, nessa época, fosse conhecido pela concentração de "casas de meninas" que o infestavam, havia, pelo menos, duas outras características que lhe davam especial interesse: era, igualmente, o bairro onde se encontravam muitas das casas de fados de Lisboa; e, também, a maioria das redacções de jornais, bem como as tipografias.
Uma destas era a "Casa Portuguesa", onde se imprimia a Parada da Paródia. Por isso é que o Director "entrava de serviço" ao fim da tarde de segunda-feira, quando começavam a ficar prontas as provas de texto que era preciso rever, e lá ficava até o jornal estar pronto a entrar na máquina, o que tanto podia verificar-se à meia-noite como às duas da manhã, ou às quatro, como aconteceu muitas vezes. Este "horário de trabalho flexível" dependia da Censura. As provas eram enviadas à medida que estavam prontas e, durante aquele período de tempo, era um corrupio, da tipografia para a Censura e da Censura para a tipografia, até estar tudo devidamente autorizado, com o carimbo oficial aplicado a todas as provas, de texto e de bonecos.
Quando as coisas corriam bem, aquilo despachava-se depressa; mas, quando os senhores Coronéis censores embirravam com qualquer texto, ou qualquer imagem, era mais complicado. Então, era necessário tornar a distribuir o material gráfico, repaginando o jornal e tapando os buracos que tinham surgido. Havia sempre um stock de gravuras soltas, que serviam para isso mesmo: para tapar os buracos que a Censura abria, inventando-se um texto mais ou menos apropriado, que se ajustasse a cada boneco, e mandando recompor aquilo tudo. Era um desafio à capacidade de imaginação e de "desenrascanço" que, nesses tempos, era um factor absolutamente indispensável a quem andava nestas vidas de jornais e revistas.
Isto significava várias horas seguidas em contacto com uma gente muito especial, que nos habituámos a admirar e a respeitar, e com quem sempre gostámos de conviver: os Gráficos. Enquanto se esperava que viessem as provas da Censura, jantávamos juntos numa tasca à esquina da Travessa da Queimada. Depois, enquanto se compunham as últimas legendas, ali se esperava, indicando os tipos a usar, lendo os textos às avessas, nas páginas já meio arrumadas, conversando com os compositores, com os impressores, com o chefe da oficina...
Deste, guarda-se uma lembrança pitoresca. Era o Miranda, um gordo bem-disposto, que usava uma linguagem profissional curiosamente repetitiva, porque, dizia ele: "esta malta, se a gente não explica tudo bem explicadinho, faz disparate”. E então, para indicar a um jovem operador de composição como queria um título, ele dizia assim: "Olha que isso é tudo em versais, ou seja, em caixa alta, portanto, tudo em letra grande, ou seja, em maiúsculas, tás a ouvir? E é um título centrado, mas centrado mesmo ao meio, metade para cada lado, percebeste?"
Nunca se chegou a saber até que ponto isto era propositado, quer dizer, se ele falava desta forma por piada, e se esta linguagem era mesmo assim, deliberadamente tosca. Mas parece que sim, porque havia outros exemplos do seu Humor. Quando, um dia, foi preciso refilar por causa de uma "gralha" que saíra num texto, o Miranda retrucou, calmamente: "Ora, não vale a pena dar tanta importância a isso! Um jornal sem "gralhas" é como a Sofia Loren sem mamas: não tem piada nenhuma!"
OS 5 TOSTÕES DO CONTABILISTA VARELA
O jornal acabou prematuramente. E acabou, não porque não continuasse a ser um êxito de vendas, mas por má gestão dos recursos financeiros da organização. E também por evidente falta de competência do contabilista de então (um pitoresco Sr. Varela, sempre muito preocupado com verbas de tostões, mas sem capacidade para gerir verbas de milhões). E isso provocava alguns problemas de tesouraria. Por outras palavras: não é que faltasse dinheiro, mas os recebimentos e pagamentos eram mal escalonados no tempo.
Ao contrário do que se passa no marketing moderno, as contas, nesse tempo e naquelas circunstâncias, não serviam para se fazer, dia a dia, a gestão do negócio: serviam, isso sim, para – com um atraso de meses ou, mesmo, de anos! – se apresentarem, finalmente, uns balancetes muito bem elaborados, é certo, mas que apenas serviam para se ficar a conhecer o aspecto "histórico" do passado.
Era assim a contabilidade de então. E era assim o contabilista, um senhor muito simpático, uma jóia de pessoa, mas aquilo a que se pode chamar, com propriedade, um atraso de vida… Todas as semanas lhe era feita a pergunta: "Então, senhor Varela, as contas do jornal? Quantos exemplares se estão a vender?" – e, todas as semanas, ele respondia, invariavelmente: "Estou a fazer o balancete, mas há uma diferençazinha..." Era preciso insistir: "Mas, não pode dar uma ideia? Não interessam números exactos, é só para saber, pouco mais ou menos, se estamos a vender vinte mil, quinze mil… ou só quinhentos exemplares! Uma coisa aproximada!" E ele: "Tenho que ver melhor. Há uma diferençazinha de cinco tostões..."
Ao fim de vários meses, a conversa já era aos gritos: "Mas isto, afinal, está a vender ou não está?!" E o senhor Varela: "Há uma diferençazinha. Ando à procura de cinco tostões..." Todos nos oferecíamos para dar, generosamente, dos nossos bolsos, os cinco tostões, para arrumar a questão. Nem pensar! O senhor Varela sorria e repetia: "Só depois de acertar as contas. Há uma diferençazinha..."
Acreditem ou não, esta cena durou meses. Entretanto, os manos Ruy e José Andrade, que se tinham habituado a viver muito à vontade, pois os programas de rádio, nessa altura, davam muito dinheiro, começaram a andar inquietos. É que havia, em cada mês, duas grandes facturas a pagar: a do tempo de antena no RCP (que era sagrada e tinha de ser paga até ao último dia de cada mês) e a da tipografia (que, por uma falta de senso incompreensível, tinham combinado pagar até ao dia 8 seguinte). Claro que, depois do esforço de cobranças de cada fim de mês, era muito difícil, nos escassos 8 dias seguintes, cobrar o suficiente para pagar a gorda factura da tipografia. Por isso, a ideia tonta que se instalou foi esta: "Se é tão difícil arranjar o dinheiro para pagar as despesas do jornal... é porque o jornal não está a dar dinheiro!" E, como o sr. Varela não dava números, por causa dos 5 tostões que faltavam, esta suspeita foi-se transformando em certeza. Um dia, os Andrades convocaram toda a gente e disseram que a Parada da Paródia tinha que acabar.
Argumentar, como, se não havia dados, números, estatísticas? Assim acabou a "Parada da Paródia", ingloriamente... em plena glória editorial! Isto porque, uns seis meses depois, surge o senhor Varela, com um sorriso radiante, uns papéis cheios de algarismos na mão, cantando vitória: "Pronto, aqui estão as contas! Sempre achei a tal diferença dos cinco tostões. E, olhem, sabem uma coisa muito engraçada?... Mesmo nas semanas mais fracas, quando foi aquela coisa da guerra de Angola, o jornal deu sempre lucro! Sempre!"
O senhor Varela já morreu há anos. De morte natural, coitado. Mas, até hoje, ninguém conseguiu explicar o que impediu, naquele dia e naquela hora, o seu assassínio, lançando-o da janela do nosso 13º andar!...
…E aqui está como uma publicação de Humor, que tinha a missão de deitar Humor cá para fora – também viveu, por dentro, situações humorísticas (ainda que, às vezes, de um Humor um tanto ou quanto negro)…

(O autor foi director do jornal “Parada da Paródia”)

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